Sunday, September 10, 2006

O Gênio da garrafa


O gênio da garrafa


Na rua 23, do bairro São João, existe uma senhora que vive sozinha, sem filhos, amigos, família. Tudo que tem são três gatos de distinta coloração; um preto, cor de ébano; outro branco, cor de neve; e um pardo, o mestiço.
Ela quer comer, abre o lixão e devora os detritos de frango do feriadão; ela sente frio, enrosca-se nos três gatos esquentando seu couro já caído; ela quer se divertir, senta-se na beira da calçada e assiste ao show da televisão ao vivo: homens bêbados a dançar descalços, crianças famintas a traficar.
A fatalidade de Salete: definhar-se de fome, frio ou solidão. Mas, no dia 13, na rua 23, do bairro São João, perambulando, Salete tropeça em uma velha garrafa de cachaça Valverde.
Uma fumaça cegante envolve-lhe, Salete que não se decide entre a loucura e a sanidade, acha estar em um de seus devaneios, quando de dentro da garrafa sai uma criatura de grande espessura e baixa estatura, com uma vestimenta colorida e desprovido dos membros inferiores.
Com uma enorme dor nas costas, devido ao grande período de tempo espremido em uma garrafa, a criatura emite estrondosos gemidos antes de dirigir a palavra à velha. Salete, já desconfiada de que se tratava do gênio da garrafa, nem deu atenção aos berros do infortunado, mas se providenciou de pensar no que desejaria quando chegado o momento.
Após um longo intervalo de reclamações, finalmente, o gênio diz:
- Já deves saber quem sou, maltrapilha senhora.
- Sim. E como diz a lenda terei o direito a três desejos, pois és o gênio da garrafa.
- Por parte tens razão, infeliz criatura. Entretanto, terás um único desejo, pois somente personalidades ilustres têm o direito a tal felicitação – três desejos.
Salete que nunca ganhara nada, sequer uma migalha de pão, nem retrucou a tamanha corrupção. Apenas disse:
- Seu gênio, nada tenho e nada temo. Por isso, já telespectadora de muito sofrimento e desgraça, peço-lhe, como único desejo, que me adiante a despedida dessa cruel encruzilhada.
Espantado, mediante autêntico pedido, o gênio desconcertado, diz:
- Sinto muito, mas isso é com o homem lá de cima. E, ainda assim, acho difícil, dizem que a coisa lá no céu tá preta, uma superlotação danada. Fazes outro desejo.
- Não quero mais nada! Manda-me ao cretino Jesus Cristo!
O gênio, incapaz de realizar o pedido de Salete, viu-se constrangido e diminuído. Mas, eis que uma infeliz idéia lhe surgiu: apossou-se de uma adaga, a qual mantinha em seu bolso, e em um golpe veloz, abriu o pescoço da velha de lado a lado.
Realizado o pedido, o gênio, instantaneamente, voltou ao seu lar, a garrafa. A velha ficou estirada na beira da calçada a derramar o sangue, que era lambido com voracidade pelos famintos gatos de distinta coloração: o preto, o branco e o pardo.

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