Thursday, September 21, 2006


Com a tesoura entre os lânguidos dedos rumava confiante. Havia de arrepender-se um dia. Mas o que poderia fazer?! Era o combinado, tinha que cumprir sua palavra, garantir sua honra (Pensou: maldita honra louvada nos romances cavaleirescos. De que lhes servia, senão para afirmar uma masculinidade exacerbada e dolorida, cujas vantagens conquistavam-se com o sangue.)
Também, pudera! pensou Joaninha. Quem lhe mandou ficar a fazer apostas despropositadas. Agora, que aguentasse o fado que lhe cabia. Por um momento, ao imaginar o espírito de porco do irmão, pensou que lhe aprazia toda a idéia da tesoura, dos cabelos, da vontade de tomar para si aquele pedaço de vida de outrem. Vá saber?! Há louco para tudo! dizia Joaninha.
Seus passos firmes afirmavam a necessidade de efetivar o ato ao qual se predispôs. No entanto, as suas vítimas ainda se faziam desconhecidas. Foi quando um grupo de boêmios atravessa seu caminho, cambaleantes. Cisor pensou: Malditos nefelibatas! Serão vós os mártires de minha afiada tesoura, já que para vós a luz do sol não se faz relevante, escoltados por vossa benevolente lua, fingem um viver inócuo e, agora, perante ela pagarão!
Aproximou-se, sorrateiramente, comovido com as longas madeixas negras de um dos garotos ébrios.
Tendo o grupo "pirabolante" direcionado-se para um espaço "indoors", alegrou-se. Cisor havia encontrado sua oportunidade de efetivar seus intuitos. Arrancar-lhes o símbolo revelador de uma época, podar tais ramos do mal, caprichosos nas artes de Baco.
Uma certa lembrança invadiu seus pensamentos neste instante. Buscou em um passado longínquo aquela aproximação que necessitava (ainda que não quisesse)para iniciar um processo de temor crescente.
Porém, não haveria de deixar-se levar por espasmos fugidios.
Entrou. Um lixo de lugar. Dezenas de garrafas de cachaça. Vômitos. Fedor de mijo. E, lá estavam suas vítimas.
Foi até eles crente da verossimilhança de seu futuro ato. A tesoura, sem indícios, foi retirada de seu casaco. Tão perto e tchec! Menos uma meganha para insultar as novas cenas do mundo pós-moderno. E tchec! Tchec!
Um atrás do outro foram perdendo suas cabeleiras, piolhentas ou não. Os donos dos cabelos tosados sequer apercebiam-se do corrido, parece que se encontravam em um universo distante.
A sua sacola já estava preenchida para provar sua honra aos outros cavaleiros, e nem uma gota de sangue havia sido derramada. A lembrança já não o atormentava mais.
Saiu misterioso do local. Um certo orgulho apoderou-se de Cisor, que agora era enfim um herói, havia cumprido a missão para a qual tinha sido convocado.
Sustentando a pose de machão, adentrou a taverna onde se encontravam o outros cavaleiros.
Levantou o mais alto que podia o saco de cabelos e eufórico gritou: - Aqui trago vossa encomenda! Foi de tamanha honra representar-lhes neste combate!
A homenzarada bêbada discrente no que via, caiu na gargalhada, e Vitinho sem hesitar foi dizendo: - Putz, cara! Agora tu, ao menos, já tem cabelo suficiente para tua peruca!
A euforia generalizou-se pelo boteco. Cisor, tendo despencado de seu alazão, levou os mesmos lânguidos dedos a sua redonda cabeça e lhe veio a lembrança que tanto queria sufocar.
Olhou para aquele saco de tão variados cabelos e rumou confiante, novamente.
Os dedos tocam a campainha: Dim Dom! Cisor com seu rosto esperançoso: - Aqui se faz perucas?!

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