Tuesday, October 10, 2006

Insetos


Angustiante destino, passadas curtas na textura íngreme de uma parede que, outrora branca, hoje amarelada pelo fluir dos anos.
Amedrontada sempre, com a não remota possibilidade de ser englobada por finos fios brancos, tecidos com eficiência pela faminta viúva negra, dedicada, em seu único objetivo, capturar e devorar suas indefesas presas.
E é isso que sou, só mais uma indefesa presa, talvez rumando para o temente fim de ser devorada por aquela negra criatura, peluda, de oito patas.
Porém, algumas felicidades encontro em meu caminho, ou melhor, alguns poucos momentos de prazer. Quando voando de parede a parede, deparo-me com a pele desnuda daqueles imensos seres, sinto e quase posso ver o sangue que corre em suas grossas veias. Prazerosa, então, pouso na carne nua e saboreio o líquido que corre incansavelmente de um lado para outro. Mas mais aflita fico eu que, muitas vezes, vi amigos vítimas de descomunal violência serem impulsivamente esmagados por um tapa explosivo.
É engraçado e espantoso o modo como os seres humanos agem, eles se dizem os possuidores do intelecto e da sapiência, os conhecedores da filosofia a da astronomia, entretanto, são racionais ininteligíveis, que não conseguem conviver em sociedade, destruindo-se um aos outros, tentando a todo custo dominar a natureza, destruindo-a em doses grotescas de estupidez e ignorância. Criam seus inseticidas, nocivos à camada de ozônio, apenas no ímpeto de eliminar-nos, nós os insetos. O que muitos homens e mulheres não sabem é que somos extremamente úteis à natureza, atuando na polinização de plantas, na produção de alimentos e medicamentos e no auxílio ao controle de pragas agrícolas, além de fazermos parte da cadeia alimentar de outros animais.
E é por isso que eu, Joana, a mosquita, decidi que alguma providência deveria ser tomada. Cansada e nostálgica, bzzzzando de lá para cá, acostumada às injustiças do mundo, revoltei-me, mas sem nenhuma repercussão. Pois, pensei: - O quê eu Joana, uma reles mosquita, posso fazer para acabar com a hipocrisia que reina no mundo dos seres humanos. Frustrei-me.
Mas eis que um conhecido meu, João, o formigo, passava por ali naquele instante, e, ouvindo meu pensamento, disse: - Joana não seja como os outros que sabem das injustiças, mas fingem que não as vêem. Afinal, não queres ser uma mosquita medíocre, não é? Faças tua parte! Talvez uma mosquitinha não chame a atenção, mas quem sabe uma legião de insetos organizados sejam ouvidos e notados.
Assim, estimulada, empolguei-me e repleta de idéias saí a convocar todo e qualquer tipo de inseto para uma reunião. Na plenária, que aconteceu no quintal de uma casa qualquer, estavam presentes: besouros, formigas, abelhas, percevejos, cigarras, moscas, mosquitos, gafanhotos, grilos, baratas, louva-a-deus, borboletas e mariposas, todos destinados a dar um basta à corrupção dos humanos.
Debatemos todos os estratagemas possíveis para se chegar à Revolução, e concluímos que a mais plausível seria: invadir o planalto central.
Um movimento anarquista foi organizado naquele fim de tarde, acabaríamos com o governo, seríamos as pestes do Estado.
Na manhã seguinte, reunidos cerca de 350 espécies de insetos, rumamos para onde se encontrava o maior responsável pela desordem nacional, o presidente da República.
Depois de dois dias de exaustiva viagem, centenas de insetos mortos, chegamos ao nosso destino, o palácio da República.
A partir daí, tudo aconteceu rapidamente: por todas as aberturas existentes foram arremessados centenas de insetos, que se espalhavam como uma epidemia pelas salas dos renomados senadores e deputados federais, e, enfim, a sala do presidente.
A anarquia chegava ao poder, a politicalha corrupta corria apavorada para as saídas, e nós insetos havíamos triunfado, éramos heróis da nação.
Mas após uma hora de vitória e comemoração, o caos. De todos os lados jatos de veneno eram lançados em nossa direção, e éramos eliminados com rapidez, apesar da luta feita por alguns companheiros para resistir, estávamos sendo vencidos.
Após duas consecutivas horas de horror e extermínio, tudo que se viam eram os cadáveres estirados no chão, os líderes de uma revolução assassinados pelos tiranos dedetizadores.
Porém, não pensem que o que fizemos foi inútil e sem-valia, pois, desde o ocorrido, jovens insetos revolucionários passaram a reunir-se em quintais de casas quaisquer, organizando sabotagens e passeatas contra o sistema.
E se prestares bem atenção, verás que de um jardim qualquer ecoará um zunido interminável de consciência e revolta, que em breve espalhar-se-á mundo afora, implodindo com esta falsa democracia que impera sobre os seres humanos, ressuscitando o instinto coletivo das criaturas, na busca ensandecida pela utópica igualdade, liberdade e fraternidade.

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